segunda-feira, 5 de maio de 2008

Moisés: o melhor amigo dos cães.

A inspiração e o trabalho de um grande mestre.

Moisés Vieira dos Santos Júnior é um dos raros brasileiros capacitados a treinar cães guias e instruir usuários. Se considerarmos a formação reconhecida pela Federação Internacional de Escolas de Cães Guias, além dele temos apenas mais um profissional com essa credencial no Brasil, Lester Chraim, que também atuou no IRIS, uma instituição que realiza o trabalho de divulgar, capacitar e promover o acesso totalmente subsidiado a este companheiro fiel, um verdadeiro instrumento de integração e liberdade para a pessoa com deficiência visual: o cão guia.
Economista de formação, Moisés sempre foi ávido por novas experiências e em meados dos anos 90, não hesitou em abandonar o Brasil e um promissor emprego na área de comércio exterior para conhecer novas fronteiras e outros países. O que não podia imaginar é que estava indo ao encontro de seu destino e que transformaria a vida de tantas pessoas que se encantam com sua natural vocação, reconhecida por todos os usuários por ele atendidos e por profissionais de diversos países.

Em 1995, quando morava em Londres, tive o meu primeiro contato com os cães guias. Havia um casal de usuários que passava todos os dias em frente a minha casa a caminho de um parque onde soltavam seus cães para correr. Tinha também um rapaz que, pelo que eu pude entender na época, socializava um filhote na redondeza. Desde então fiquei interessado pelo assunto. Quando comecei a trabalhar no centro de Londres pegava metrô sempre no mesmo horário em que viajava um outro usuário de cão guia. Passei a admirar o comportamento do cão e ficava observando o time (usuário e cão guia) quando deixavam o metrô dirigindo-se à saída da estação. Não deixava de pensar que isso poderia acontecer no Brasil também.
Meu interesse foi tão grande que tentei por duas vezes obter um estágio ou um emprego junto à escola inglesa de cães guias, porém, não obtive sucesso por questões relativas ao visto.
Também me chamava a tenção o fato de sempre haver nos jornais anúncios da escola pedindo doações e sensibilizando a população para a causa
Ao observar os times de graduados (cão guia/usuário) na Inglaterra, não tinha a menor idéia da complexidade daquele trabalho. Sempre admirava os cães e achava realmente incrível que aquilo fosse possível. Sequer passava pela minha cabeça o grau de complexidade do processo em uma aparentemente simples caminhada pelas ruas e transportes públicos. Devo dizer que minha ignorância era tanta que achava que o cão era um super cão e que a história começava e terminava neste ponto. Imaginava a importância do treinamento mas não que este era apenas uma parcela pequena do resultado final. Outros fatores também contribuíam para o sucesso do time.
Minha experiência anterior era muito rudimentar. Somente um curso de obediência com meus pastores, pois sempre gostei muito de cães. Aliás, foi essa minha motivação inicial. As pessoas que entram nesse ramo geralmente têm um histórico similar. Seja um envolvimento com trabalho voluntário, algum amigo ou familiar com deficiência visual. No meu caso nunca tive tal vínculo ou chamado. Trabalhava na área financeira, comércio internacional e quando achei que precisava de uma mudança apenas viajei para o exterior. Mas quando vi um cão guia trabalhando soube que queria fazer isso e pronto.
Ainda em Londres fiz amizade com uma neozelandesa. Quando voltamos para os nossos países, no início de 96, combinamos de manter contato. Já em fevereiro recebo dela uma ótima notícia: estavam em processo de seleção para o curso de formação de instrutor lá na Nova Zelândia, e gostariam que fosse um brasileiro.
Amigos de amigos formaram uma rede e cheguei ao dr. Augusto Gonzaga, um médico brasileiro que estava organizando a seleção no Brasil. Fui aprovado em março ou abril e em maio iniciei meu curso de instrutor.
Poucas pessoas entendem a diferença entre ser um treinador e um instrutor. A profissão ainda não é regulamentada no Brasil e representa grande dificuldade para os órgão governamentais que pretendem estabelecer critérios para determinar quem está habilitado a desenvolver esse tipo de atividade.
Resumidamente, o treinador é aquele capacitado a treinar cão guia e o instrutor pode, além disso, também instruir o usuário com deficiência visual.
Em quase todo o mundo as escolas de cães guias formam seus próprios profissionais. A Escola da Nova Zelândia é exceção, pois aceita formar instrutores estrangeiros.
Cada escola tem suas peculiaridades em relação ao treinamento dos cães e à formação dos profissionais. Em média o curso de treinador tem duração de 2 anos e o de instrutor de 3 a 4 anos.
Mais do que conhecer o universo canino, é fundamental para aqueles que pretendem treinar cães guias que entendam o universo da pessoa com deficiência visual, como suas referências espaciais e métodos que utiliza para fazer a leitura dos ambientes.
O profissional também precisa ter boas noções a respeito dos diferentes graus de eventual resíduo visual que o futuro usuário tenha, por exemplo. Pois esse fator é determinante para identificar o tipo de ajuda que o cão prestará àquela pessoa. Saber identificar o perfil do usuário é outro ponto de extrema relevância, uma vez que mais de 60 características são consideradas no momento de se definir qual cão é adequado para cada candidato.

Moisés aponta a dificuldade de captação de recursos no Brasil como uma das maiores barreiras para que mais pessoas tenham acesso à qualidade de vida que um cão guia pode trazer. E destaca que a maior motivação certamente não está apenas no que diz respeito à mobilidade e independência que o usuário adquire. No pacote também vem o bônus do ganho social. O cão é um amigo que ajuda a fazer amigos.

abril2008

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